Investidor Iniciante
Se você começou recentemente a investir diretamente em ações, ou ainda está se preparando para isso, é provável que precise primeiro saber algumas informações importantes:
Relacionamento
Quando você compra a ação de uma empresa você está se tornando acionista de um negócio, e na grande maioria dos casos um acionista com uma participação pequena, conhecido no mercado como acionista minoritário. Aqui vale a pena destacar o aspecto “negócio” e o aspecto “minoritário” do relacionamento.
Muitas pessoas investem no mercado de ações em empresas que pouco ou nada conhecem (às vezes nem sabem exatamente o que a empresa faz). Se um amigo seu pedisse para você se tornar investidor dele num negócio que ele está abrindo agora, a maioria das pessoas com um mínimo de bom senso procurariam primeiro entender bem o negócio antes de investir, tentando responder com alguma segurança perguntas do tipo:
- quais são os produtos/serviços que esta empresa está vendendo e qual a perspectiva de demanda por eles no futuro? esses produtos/serviços são únicos no mercado (ou seja, têm o que se chama de “diferencial competitivo”) ou são iguais ou muito parecidos com outros mil que já estão sendo oferecidos por outras empresas?
- como é o setor de atuação desta empresa e a concorrência mais direta em particular? o setor é composto por alguma empresa dominante e competente que fará de tudo para se manter dessa maneira, ou é composto por um par de empresas de "fundo de quintal" que não trabalham bem e não conseguem atender às demandas dos clientes?
- qual a chance do meu amigo ser o melhor gestor neste setor específico? ele tem a experiência e habilidades necessárias, junto com a equipe da empresa, para atender às expectativas dos clientes ou é muito mais provável que uma empresa concorrente tenha?
Igualmente importante, essa pessoa de bom senso analisaria se o “preço” a que está sendo vendida aquela participação faz sentido, analisando itens como por exemplo:
- se o lucro atual do negócio se mantiver no futuro e for completamente distribuído entre os acionistas, em quanto tempo eu recuperarei meu capital investido? e se for necessário realizar um grande reinvestimento do lucro no negócio (e portanto não puder ser distribuído aos acionistas, pelo menos inicialmente) quais são as perspectivas de crescimento do negócio e de valorização da sua participação acionária?
- se eu comparar este investimento com uma aplicação com risco muito menor, por exemplo em títulos de renda fixa do governo federal, eu estou sendo devidamente compensado com uma possibilidade de ganho futura suficientemente maior de maneira a compensar todo o risco adicional que estou correndo?
- se eu comparar este negócio com outros negócios semelhantes, no Brasil ou fora, eu estou “comprando” essa participação por valor semelhante, maior ou menor? se maior, existe alguma razão objetivamente forte para pagar mais? se menor, este investimento realmente é a “pechincha” que está parecendo ser, ou eu até deveria pagar muito menos porque algumas características específicas o tornam realmente pior do que outros negócios “comparáveis”?
Em investimentos em empresas abertas em bolsa não existe nenhuma razão para que a análise seja feita de maneira menos criteriosa.
O aspecto “minoritário” da relação significa, de maneira bem simplificada, que a sua influência nas decisões da empresa será extremamente restrita (para não dizer nenhuma). No caso limite, isso quer dizer que, por exemplo,se a empresa estiver mudando o rumo do negócio para uma direção que você não concorde, não existirão muitas alternativas além de simplesmente vender as ações que você comprou. Obviamente existem investidores minoritários no mercado que têm outras opções disponíveis. Normalmente eles, apesar de serem minoritários, conseguem “acumular” um percentual de participação, isoladamente ou em conjunto com outros minoritários importantes e que pensem da mesma maneira, que permite uma certa influência em decisões estratégicas da empresa. Porém esse caso é a exceção e não a regra. Portanto, para realmente se precaver de cair nessa situação é importante analisar também o acionista controlador e a gestão executiva da empresa (diretoria):
- o acionista controlador tem uma postura “justa” com relação aos seus minoritários? ocorreram situações no passado em que os acionistas minoritários se sentiram prejudicados por atos do acionista controlador nesta empresa (idem para o mesmo acionista controlador em outra empresa) ?
- a remuneração da diretoria da empresa está de acordo com os padrões “normais” ou parece excessiva? a remuneração está alinhada, na medida do possível, com os interesses dos acionistas em geral?
Risco
Quando você compra a ação de uma empresa você está correndo um risco razoável, porém limitado. O risco máximo é perder 100% do seu investimento, situação que certamente não é usual, mas é possível em casos de concordata ou recuperação judicial (vide por exemplo o que aconteceu em 2008 na crise americana com os acionistas do banco Lehman Brothers, e os inúmeros casos que ocorreram quando do estouro da bolha da internet entre 2000 e 2002).
Aqui vale a pena ressaltar que existem investimentos em que o risco é maior do que perder todo o capital que foi investido (em investimentos “alavancados” é possível perder todo o capital e ainda ficar devendo, por exemplo). Por outro lado, a possibilidade de perder 100% do valor investido certamente é muito arriscada em comparação, por exemplo, com a segurança de uma aplicação em renda fixa. Se você aplica em títulos de renda fixa do governo federal a chance de você perder todo o investimento é praticamente inexistente.
Retorno
O retorno do investimento em renda variável específico de uma ação não é sabido a priori, como é o caso de uma aplicação em renda fixa (ainda que seja pós-fixada). Sabe-se no entanto que esse retorno virá de dois componentes principais: proventos e apreciação (ou depreciação) do preço da ação. Os proventos mais comuns são os dividendos e os juros sobre capital próprio. Apenas para simplificar a explicação nos limitaremos aqui a considerar apenas os dividendos.
Os dividendos são a distribuição direta de uma parcela (ou em alguns casos mais raros da totalidade) dos lucros da empresa para os acionistas. As empresas que mais fazem distribuição de dividendos normalmente são as que precisam reinvestir menos os lucros na própria operação, e costumam por conta disso ser empresas “mais maduras” no seu ciclo de vida. As empresas que precisam usar os lucros para reinvestir na operação, normalmente para sustentar o crescimento, pagam obviamente menos dividendos. Por conta dessas características, é muito comum que empresas concessionárias de serviços públicos, como empresas de energia elétrica, saneamento e telecomunicações sejam boas pagadoras de dividendos. Nesse tipo de empresa o grande investimento foi feito no etapa inicial de prestação dos serviços, quando as suas redes tiveram que ser montadas e grande parte dos clientes atendidos. Posteriormente, eles precisam investir apenas para renovar os ativos que estão sendo desgastados ou fazer atualizações tecnológicas, investimento que normalmente é pequeno em comparação com o que foi necessário inicialmente para montar o negócio. Talvez a grande exceção á essa regra atualmente sejam as empresas de telecomunicações, que, por conta de renovação de tecnologia, às vezes precisam fazer grandes investimentos mesmo depois de estar atendendo a quase todos os clientes de uma certa área de concessão.
O valor dos dividendos está diretamente relacionado á performance operacional da empresa no período, dado que eles são retirados dos lucros da empresa. No limite, mesmo uma empresa tradicionalmente pagadora de dividendos, se por alguma razão de exceção não tiver lucros suficientes num certo período, pode não realizar pagamento de dividendos com faria numa condição mais “normal”.
A apreciação (ou depreciação) do preço de uma ação também está intimamente ligada à performance operacional da empresa, pelo menos em intervalos longos de tempo. Aqui vale destacar que em intervalos curtos, ou até médios, de tempo, a oscilação de preço de uma ação pode ter pouco a ver com desempenho operacional da empresa em questão. O preço de uma ação, assim como de qualquer ativo (ou mercadoria) que está sujeito as leis de oferta e demanda e tem um mercado para que essas forças atuem, está sujeito a inúmeros fatores que às vezes pouco tem a ver com o seu valor intrínseco: “humor” geral do mercado, reação exagerada de compradores/vendedores a notícias positivas ou negativas daquela empresa, comportamento de manada dos investidores exagerando quedas ou subidas de preço, etc. Nesse aspecto é muito difícil prever oscilações de preço em intervalos curtos de tempo. (*1)
Ao mesmo tempo, oscilações de preço em intervalos longos de tempo estão diretamente relacionadas ao desempenho da empresa. O investidor que souber escolher empresas que terão no futuro bom desempenho em relação à sua situação corrente e em relação aos seus concorrentes, e que pagarem um preço razoável pela ação, muito provavelmente serão premiados com retorno de apreciação de preço. O contrário é igualmente válido. Este conceito é conhecido internacionalmente como Value Investing e vários dos grandes investidores o aplicaram ou o aplicam de uma maneira ou de outra. Uma pequena lista dos mais conhecidos value investors com certeza incluiria: Warren Buffett, Benjamin Graham, Seth Klarman, Martin Whitman, e Joel Greenblatt.
(*1) A escola de análise de investimentos conhecida por Análise Técnica ou Análise Gráfica pretende prever oscilações de preço em intervalos curtos de tempo, tão curtos como intervalos de poucos dias e em alguns casos eventualmente até dentro de um mesmo dia. Nenhum estudo demonstrou conclusivamente que podem ser produzidas estratégias rentáveis e replicáveis de maneira consistente usando esse tipo de análise depois de considerados custos de transação. No entanto também não existe nenhum estudo conclusivo provando o contrário. Existe muito debate entre escolas diferentes de pensamento sobre o assunto. No final do dia, neste momento da evolução sobre o estudo das finanças o que existem são opiniões de escolas diferentes. Não pretendemos aqui adicionar nada em relação a esse debate, mas deixamos claro que este não é um site sobre análise técnica. Acreditamos que já existem muitas fontes de informação sobre análise técnica e ao mesmo tempo muito poucas sobre análise fundamentalista. Pretendemos aqui contribuir apenas diminuir essa lacuna, fornecendo uma boa fonte de informação para o segundo caso.